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Terreiro de Candomblé é demolido em Carapicuíba (SP)

Prefeitura não dialogou com lideranças religiosas e, de forma abrupta, fez a remoção da Casa sob justificativa das obras de canalização do Córrego do Cadaval

Publicado: 28 Dezembro, 2022 - 20h36 | Última modificação: 28 Dezembro, 2022 - 20h41

Escrito por: Alexandre Trindade - CUT-SP

Divulgação
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A Prefeitura de Carapicuíba, cidade da Grande SP, demoliu o Terreiro de Candomblé Ilê Asé Odé Ibualamo, instalado as margens do Córrego do Cadaval há mais de 30 de anos. Segundo a Iyalorixá Zana Meire Oliveira de Jesus, a Mãe Zana, responsável pelo Terreiro, as obras de canalização do trecho III tiveram início em agosto deste ano e desde então ela vinha tentando o diálogo com a atual administração municipal. 

Reportagem do Portal Alma Preta, também veiculada no site da Ponte Jornalismo, relata que em novembro, mês da Consciência Negra, as obras avançaram sob o terreiro  e a demolição do espaço ocorreu no dia 15 de dezembro. 

Mãe Zana explicou que o projeto de canalização do córrego foi uma das ações contempladas com recurso federais por meio do PAC (Programa de Aceleração do Crescimento) dos governos Lula e Dilma. Ela conta na gestão do ex-prefeito Sérgio Ribeiro havia diálogo com a administração municipal, inclusive chegou a discutir um desvio no curso das obras para preservar o espaço do templo religioso. 

No entanto, após a troca de comando na Prefeitura, passou a ter dificuldade em manter o diálogo com o poder público, principalmente após a retomada das obras, mesmo com a mobilização e articulação junto à Câmara Municipal para criação de uma Frente Parlamentar. 

Mãe Zana também rebate outro argumento usado pela administração de Carapicuíba para justificar a demolição do Unidade Tradicional Africana: a de que o imóvel apresentava risco de desmoronamento. Segundo ela, a situação de risco foi criada pelo avanço das obras que seguiram ignorando o sagrado, a importância cultural e histórica do terreiro instalado no local pelo avô e a mãe de Zana, há mais de 30 anos. 

“Conforme avançaram com as obras, com a movimentação de máquinas e escavação perto da nossa Casa fragilizaram a estrutura. Depois acionaram a Defesa Civil que mesmo sem entrar fez um laudo condenando o imóvel que foi usado pela Prefeitura para obter na Justiça a ordem de demolição”, disse. “Nós tínhamos entrado com pedido de Medida Cautelar para paralisar as obras, mas a Justiça negou e depois autorizou a demolição”, lamenta a líder religiosa. 

Zana conta ainda que foi surpreendida com a ordem de desocupação da casa para demolição e que somente após a decisão favorável à demolição o atual prefeito a chamou, mas apenas para afirmar o que a Secretaria de Habitação da cidade ofereceu como indenização o valor de 180 mil reais, por meio de carta de crédito, ou aluguel social no valor de 500 reais. “Ele (o prefeito) foi enfático quando disse que não poderia fazer nada pois a lei não permite outra tratativa". 

“Não houve notificação prévia para remoção não houve um protocolo de consulta conforme mandam as leis que nos protegem, fomos intimados a desocupar imediatamente a Casa. A Defensoria [Pública do Estado de São Paulo] solicitou um prazo maior para desocuparmos o imóvel, mas também teve o pedido negado pela Justiça e após algumas horas chamaram até a PM e a Guarda Municipal para acelerar a retirada dos objetos, mas não conseguirmos tirar tudo”, lembra a Iyá. 

“Muito dos objetos sagrados são subterrâneos e não conseguimos escavar para retirar, pois isso demanda tempo e todo um processo ritualístico. Tudo que temos ficou lá no nosso pedaço de Afrika. Não há como mensurar nosso prejuízo, estamos ligados ao território onde habitamos e onde nos reproduzimos culturalmente e esses são nossos mais valorosos bem e ficou lá". explica Mãe Zana. 

Para ela, as obras de canalização retomadas recentemente e o situação de risco do imóvel são apenas para encobrir a real motivação que levou a Prefeitura a brigar na Justiça para fazer demolição do Terreiro, onde também havia um trabalho social junto à comunidade, inclusive com distribuição de alimentos. Zana encara o desfecho como fruto de uma perseguição política e de preconceito religioso. 

“Isso que ocorreu em Carapicuíba é um crime grave, sou mulher, negra, periférica, reconhecida não só como liderança religiosa mais também por minha militância política na cidade e temo aqui uma atitude machista e conservadora. Se fosse uma Igreja teriam feita a demolição?”, questiona. mãe Zana que, sem a sede do Ilê, lamenta não poder realizar as ações sociais neste Natal e a tradicional Kwanzaa com seu povo. 

Professor Douglas Izzo, presidente da CUT-SP, reforça que a central além de defender a garantia dos direitos da classe trabalhadora tem compromisso com as lutas de combate ao racismo, ao ódio, ao preconceito e à intolerância religiosa. 

“Ficamos estarrecidos com essa notícia. É inconcebível que o poder público ignore um território sagrado e faça uma demolição como ocorreu em Carapicuíba. Nosso apoio e toda solidariedade à Mãe Zana e seus filhos e filhas que tinham esse Ilê como espaço para manifestarem sua fé”, comenta Izzo. 

Luta por reconhecimento e novo espaço

O que se busca agora, por meio da Defensoria Pública, com apoio de parlamentares, pesquisadores do LabCidade (Laboratório Espaço Público e Direito à Cidade) da USP (Universidade de São Paulo) e outras entidades e movimentos que tem compromisso com as lutas em defesa dos direitos à moradia, da preservação do Patrimônio Histórico e Cultural bem como do combate à intolerância religiosa e dos direitos humanos, é a garantia de realocação do Terreiro em outro espaço, bem como a colocação de um marco na área em que o templo religioso demolido estava instalado desde os anos 1980. 

Em oficio à órgãos responsáveis pela preservação de patrimônios históricos como o IPHAN (Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional), o Condephaat (Conselho de Defesa do Patrimônio Histórico, Arqueológico, Artístico e Turístico do Estado de SP) e o CNDH (Conselho Nacional de Direitos Humanos), a Defensoria .pediu a realização de visita emergencial e apuração da situação de violação de direitos humanos e de degradação de bens e valores históricos e culturais, além da “realocação da unidade tradicional em local que preserve sua memória e um marco no antigo terreno que faça referência comunidade física, afetiva e espiritual, dos Povo Tradicional que ali esteve”. 

Em artigo assinado pelo grupo de pesquisadores do LabCidades, formado pela professora na Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da Universidade de São Paulo, Raquel Rolnik; pelo estudante de direito na USP Guilherme Lobo Pecoral; e pela professora de direito urbanístico do Instituto das Cidades da Unifesp, e Giovanna Milano, eles reforçam que “o reconhecimento e a garantia de permanência dos territórios tradicionais nas cidades conectam-se a um dever de reparação frente às violações promovidas pelo racismo estrutural na formação social brasileira, promovendo o direito à preservação da memória e de construção de futuros mais igualitários e justos no espaço urbano”. 

O vereador do PT de Carapicuíba, Ednaldo Souza Silva, mais conhecido como Professor Naldo, também comentou o processo da obra e disse que busca, junto à secretaria de Habitação do município uma solução para realocação da unidade tradicional Terreiro, pois considera que as alternativas apresentadas pela administração municipal – aluguel solidário ou indenização por meio de carta de crédito – não se aplicam ao templo religioso. 

“Não somos contra o desenvolvimento, mas queremos a realocação do Terreiro, pois não era apenas uma moradia nem tampouco um comércio como é considerado pela secretaria de habitação ao dizer sobre tratar como "unidade mista" parece que até agora o Executivo não entendeu e ao manter essa postura demonstra a prática de racismo religioso. Por isso, temos buscado entendimento com a pasta de Habitação, até porque a cidade passa por um processo de desocupação em massa e estamos atentos na defesa dos direitos do nosso povo”, concluí Naldo. 

Abaixo-assinado

A Frente Ilê Odé Ibualamo também lançou um abaixo-assinado pelo reconhecimento da rede de Territórios de Povos e Comunidades Tradicionais de Carapicuíba. A CUT-SP é uma das entidades que subscreve a carta-manifesto que segue aberta à adesão. Clique neste link.