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Audiência pública repudia cortes no fomento à cultura no estado de São Paulo

Debate realizado no auditório Franco Montoro da Assembleia Legislativa de São Paulo contou com inúmeras representações

Publicado: 05 Dezembro, 2019 - 11h28 | Última modificação: 06 Dezembro, 2019 - 11h43

Escrito por: Vanessa Ramos - CUT São Paulo

Vanessa Ramos/CUT-SP
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Enquanto terminava em briga a sessão na Assembleia Legislativa de São Paulo (Alesp) para discussão da PEC da Reforma da Previdência para servidores na noite desta quarta-feira (4), na mesma casa, no auditório Franco Montoro, ocorria outro debate sobre cortes propostos também pelo governo João Doria, mas para a área da Cultura.

Cortes que são previstos a partir de 2020, segundo a proposta de Lei Orçamentária Anual (LOA), que deve ser votada até o final de dezembro.

Uma das principais ações de incentivo à cultura, o Programa de Ação Cultural (ProAC), caso a LOA seja aprovada, terá uma redução de 55% do orçamento para o ano que vem, questão que foi a tônica nos debates na audiência que contou com a participação de artistas, cineastas, diretores, produtores, representantes de movimentos sociais, de entidades de classe, coletivos e pessoas que atuam com cultura em diferentes cidades do estado de São Paulo.

“É nítido que o ataque à cultura tem a ver com o sucateamento desta área, como hoje se dá com outros setores, e um direcionamento futuro à iniciativa privada para deixar os trabalhadores reféns de empresas sem que possam produzir a sua arte de forma livre, educativa e crítica”, disse o secretário de Cultura da CUT São Paulo, Carlos Fábio, mais conhecido como Índio.

Cultura como Direito

Um dos cortes propostos pelo governo Doria tem a ver com a porcentagem do orçamento direcionada à pasta da Cultura que, na prática, vem aos poucos sendo reduzida. Em 2010, a cultura equivalia a 0,71% do orçamento geral do Estado paulista, com investimento de R$ 900 milhões. Em 2019, passados quase 10 anos, o orçamento chegou a R$ 816 milhões, que representa hoje 0,35% do orçamento geral do Estado.  

Para o ator Sérgio Mamberti, a redução no setor demonstra que a cultura é “completamente minimizada por governos”. Segundo ele, a “cultura é parte intrínseca e fundamental da sociedade e não pode ter o orçamento reduzido e entregue à iniciativa privada em uma tarefa que é exclusivamente do Estado”, reafirmou Mamberti que, aos 80 anos, compõe em São Paulo o espetáculo “O Ovo de Ouro”, peça em cartaz, de Lucas Papp, que trata sobre autoritarismo, genocídio e governos totalitários no contexto da Segunda Guerra Mundial.

Ao seu lado na audiência, a cineasta e apresentadora Marina Person defendeu que o Brasil continue sendo um país que exporte arte e cultura. “Que seja um exemplo de desenvolvimento e não um país apenas fornecedor de boi, de soja, de laranjas e muito mais”, pontuou.

“O Estado tem a responsabilidade de induzir o desenvolvimento da cultura. Não por acaso, as políticas públicas de fomento à cultura são a base civilizatória dos países desenvolvidos em todo mundo. Somos aqui os profissionais que levam aos 45 milhões de paulistas os espetáculos de música, teatro, dança e circo, que produzem feiras, mostras, exposições, cinema, televisão, videogames e que realizam manifestações artísticas nas grandes cidades e no interior”, falou Marina, que foi VJ da MTV Brasil entre 1995 e 2011 e hoje apresenta Marinando, um canal de culinária saudável no YouTube, e os programas Magazine Arte 1 com The New York Times, no Canal Arte1, e Cinedrops, na Rádio Eldorado.

Proac Editais na Mira

Na proposta orçamentária do estado de São Paulo de 2020, o montante do Proac Editais, que foi de R$ 70 milhões em 2019, pode ser reduzido para R$ 32 milhões em 2020.

Presidente do Sindicato dos Artistas e Técnicos em Espetáculos de Diversões do Estado de São Paulo (Sated-SP), o ator e dramaturgo Dorberto Carvalho falou sobre o que significa cortar investimentos no Proac.

“Este programa é importante pois é capilarizado e muitos dos recursos para a produção cultural chegam às periferias e no interior do estado de São Paulo. A retirada desses recursos se configura em uma violência contra a população. Defendemos aqui que os recursos sejam repostos por meio de uma emenda parlamentar que venha da Comissão de Educação e Cultura da Alesp”, apresentou.

Vanessa RamosVanessa Ramos
Presidente do Sated (ao microfone) defende o Proac Editais em sua apresentação

O cineasta Daniel Santiago, presidente da Associação Paulista de Cineastas (Apaci), voltada à reflexão e à articulação de políticas no campo cinematográfico paulista, lamentou a postura do governo e lembrou como a cultura vem sendo perseguida. "Os recursos do Proac Editais são vitais para fomentar a construção de filmes e séries audiovisuais no estado de São Paulo".

Além disso, vários cineastas também protestaram neste ano contra a interrupção do Programa de Fomento do Cinema Paulista. Segundo Santiago, foram pelo menos 200 os filmes beneficiados por este projeto, entre os quais 'Cidade de Deus', de Fernando Meirelles, 'Que Horas Ela Volta?', de Anna Muylaert, 'O Ano em que Meus Pais Saíram de Férias', de Cao Hamburguer e o 'O Menino e o Mundo', de Alê Abreu, este que, inclusive, foi indicado, em 2016, ao Oscar de melhor animação.

Em consonância com Dorberto e Renato, o vice-presidente da Cooperativa Paulista de Teatro, Thiago Vasconcelos, repudiou a gestão de João Doria e destacou o que está na mira do governo.

“Somos diferentes da indústria cultural porque nós temos uma forma de produção que não é competitiva, mas cooperativa, colaborativa. Milhares de trabalhadores e trabalhadoras estão sendo prejudicados porque não produzem de forma industrial. Além do orçamento ser uma vergonha, ele ataca diretamente uma forma de produção coletiva. E a única coisa que o estado de São Paulo tem hoje nesta direção é o Proac Editais”, destacou.

Segundo ele, referindo-se à questão da indústria cultural, só o orçamento de filmes como o do Piratas do Caribe, do Coringa ou dos Vingadores equivalem, como apontou, há anos de investimento do governo estadual.

“É preciso construir políticas públicas de cultura de Estado, não de governo”, disse Vasconcelos, ao lado da deputada Beth Sahão (PT) que completou que esta lógica deve ser seguida não apenas quando a cultura é pensada, mas para áreas diversas como educação e saúde. “Não podemos ficar à mercê das vontades políticas de alguns governos”, comentou a parlamentar.

Beth Sahão foi uma das organizadoras da audiência, ao lado das deputadas Maria Izabel Azevedo Noronha (PT), Beth Sahão (PT) e Isa Penna (PSOL).

Convidados para a audiência, o secretário estadual de Cultura e Economia Criativa, Sérgio Sá Leitão, e o relator da LOA 2020, o deputado Alex de Madureira (PSD), não compareceram ao debate. Por reivindicação dos movimentos e dos parlamentares, na próxima terça-feira (10) uma reunião está prevista em São Paulo com o secretário estadual de Cultura para tratar sobre os temas debatidos na audiência.  

Confira, abaixo, a fala do cineasta Renato Cândido sobre a importância das políticas públicas voltadas à promoção da existência do povo negro, além da valorização dos produtores de cinema negros e negras no Brasil.